O texto da semana foi produzido pela Escritora Julia Siqueira da Rocha que recentemente lançou o Livro "Violências na Escola - Banalidade do Mal à Banalização da Pedagogia". A temática da escritora traduz dentro do universo escolar às relações de violência, que também se configura em um processo histórico dentro da Educação.
O texto "Professora Estupra Aluna de 13 anos: Um estupro Coletivo?" é um texto que imprime fatores fortes a respeito da temática da violência.
Espero que os leitores aproveitem a contribuição. Boa leitura.
PROFESSORA ESTUPRA ALUNA DE 13 ANOS: Um estupro coletivo?
Por: Julia Siqueira da Rocha*
A luta pelo entendimento social da “normalidade” e do direito a homoafetividade a qual se engajam diversas ONGS, núcleos universitários e indivíduos atentos ao seu tempo histórico e aos Direitos Humanos, recebem com indignação a notícia veiculada em rede nacional de que uma professora é presa em flagrante delito num motel com uma aluna de 13 anos de idade, a mesma indignação que sentiu qualquer pessoa de bem. Início trazendo o dado da indignação porque dois aspectos foram indevidamente explorados por setores conservadores da sociedade, o primeiro em face da orientação sexual da professora e o segundo quando se descobriu que a mãe da menina também vive uma relação amorosa homoafetiva.
Neste sentido é preciso esclarecer que o que deve ser julgado é o crime em que um indivíduo adulto se utiliza de um indivíduo criança ou adolescente para vivências sexuais, independente dos gêneros em questão. A segunda condição agravante do caso é que na condição de professora, o que se espera eticamente é maior entendimento desta condição peculiar da infância e da adolescência exigindo cuidados protetivos qualificados.
A mãe procurou a escola por diversas vezes para denunciar sua estranheza com o tipo de relação que a professora e sua filha estavam desenvolvendo e registrou ocorrência na Delegacia de polícia também por três vezes, sendo atendida com efetividade apenas na última vez em que se deu o flagrante delito. A primeira constatação é de que a vivência homoafetiva da mãe não lhe impediu em momento algum de entender que sua filha não tinha maturidade para viver uma relação amorosa com um adulto, não lhe impediu de buscar explicações na escola, lócus de aproximação da adolescente com este adulto e nem de formalizar pedido de proteção na Delegacia de polícia.
Se você leitor pertence a ala dos que não aceitam com tranquilidade a homoafetividade, raciocine que o que esta mãe fez, foi o mesmo que uma pessoa de orientação heteroafetiva e lúcida, faria ao ver sua filha de 13 anos imbricada numa espécie de relação amorosa com um adulto, que também poderia ser heteroafetivo. Em síntese buscou impedir o abuso de um adulto sobre sua filha.
A forma como a escola encaminhou esta situação, merece um olhar mais apurado, segundo o delegado responsável pelo caso são provas materiais, atas em que a direção da escola registra a relação inadequada entre professora e aluna, como medida administrativa e pedagógica a direção sugere a princípio a mudança de sala para aluna assegurando que a professora não fosse docente desta turma. A medida não funcionou a aluna se sentiu deslocada sem suas antigas colegas e solicitou o retorno para a antiga sala. Assim a direção entendeu que o melhor a fazer era transferir a professora de escola. São dados também divulgados pela mídia que o diretor da escola aconselhou a mãe da aluna a não ir a Delegacia de polícia, pois tudo seria resolvido no âmbito da própria escola. Esclareça-se ainda que na durante o depoimento na Delegacia de polícia o Diretor da escola negou saber que havia qualquer tipo de relacionamento entre a professora e aluna fora do padrão escolar.
Diante de tantas informações é melhor irmos aos poucos, todos que trabalham ou já trabalharam em escola sabe o quanto situações desta ordem são difíceis, primeiro porque surgem como problemáticas oriundas de denúncias embasadas em comentários, boatos diz-que-me-disse com pouca materialidade que se possa documentar, segundo porque lida com a intimidade, a sexualidade que é via de regra tema tabu, em terceiro lugar está sendo colocado em julgamento uma colega de trabalho. Talvez por isso apareça, ainda que equivocadamente, como a melhor medida as transferências. Apareça ainda o desejo de que a comunidade escolar não seja exposta publicamente e por isso a tentativa de manter os fatos no âmbito da própria escola. Mas a realidade é que a direção da escola deveria, tanto eticamente como legalmente, realizar denúncia junto aos órgãos competentes, a saber: Conselho Tutelar e ou o Ministério Público/Promotoria da Infância e ou Delegacia de Polícia. O Estatuto da Criança e do Adolescente é claro em vários artigos sobre este dever:
“Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de:
I - maus-tratos envolvendo seus alunos; ...”
(Lei 8069 de 13 de julho de 1990)
O que muitos educadores não sabem é que a denúncia deve ser feita mesmo em casos apenas de suspeita, como aponta o artigo 13 do ECA, citado acima. Averiguar a veracidade dos fatos é competência dos órgãos supracitados, assim a rotineira desculpa de que “não denunciei porque não tinha certeza dos fatos”, não serve, não isenta os educadores desta responsabilidade. No caso em questão o Diretor foi indiciado como co-autor nos mesmos crimes que a professora presa em flagrante delito. Estupro de incapaz numa pena que pode chegar a 30 anos de prisão.
O silenciamento do Diretor não impediu que os fatos se tornassem público e muito menos protegeu a menina do abuso sexual. Além de torná-lo cúmplice. Esta é uma lição para muitos profissionais da educação, que são incapazes de cometer maus-tratos a crianças e adolescentes, mas se calam quando tem conhecimento de que outros o fazem. O poder/dever de proteger crianças e adolescentes não é opcional a sociedade, a omissão também é crime previsto como descrito no artigo 5 do ECA, Como já dissemos de profissionais da educação espera-se que este poder/dever de proteção seja qualificado. O silenciamento perante as violências praticadas contra estudantes é, portanto uma forma específica de violência, porque esta omissão permite o crescimento e muitas vezes permite a produção de formas mais elaboradas das violências já praticadas. Aumenta a vulnerabilidade do agredido, assim trata-se de um processo de revitimização.
Outra questão legal que este caso suscita para nossa reflexão é a idade para consentimento consciente para as relações sexuais. A menina de 13 anos que estava no motel com a professora, afirmou que sabia o que estava fazendo, que seu sentimento pela professora é de amor e que aguardaria a mesma sair da cadeia para reatar o romance. Judicialmente este depoimento é nulo, desconsiderado e nem sequer mencionado nos autos do processo, pois as pessoas até os 13 anos de idade são consideradas incapazes de discernir claramente os sentimentos e de diferenciar o uso e abuso de adultos. Se, no entanto a menina tivesse completado 14 anos, o quadro seria outro, pois ela seria ouvida e sua fala reconhecida legalmente, assim salvo numa conduta em que fique provado manipulação psicológica o consentimento é relevante e aceito.
Nossa intenção não é discutir a lei, sabemos que ela deve ser cumprida, mas de pensar em como proteger meninas e meninos saídos dos 13 anoas, mas ainda possivelmente vulneráveis. Quem teve a oportunidade de ouvir o depoimento da adolescente na mídia, viu o quanto ela parecia à vontade com a situação, segura de sua decisão. Ao mesmo tempo é evidente que na condição de adolescente suas certezas estarão todas questionadas num amanhã que chegará mais rápido do que ela mesma imagina, neste sentido é um alívio ver o quanto à justiça a protege de si mesma e de decisões acopladas a rebeldia e contestação desta fase peculiar em que se encontra, não estou com isso negando seus sentimentos, apenas relativizando seu entendimento de amor e sexualidade, o que costuma ser bem complexo até para adultos. Como podemos educar nossos adolescentes para vivenciarem sua sexualidade sem serem abusados ?.
A idéia da Educação sexual emancipatória traz o conhecimento de si e do outro como fator relevante na tomada de decisões, traz o conhecimento científico aliado a uma visão afetiva das vivencias sexuais, pressupostos que só ocorrem em famílias e escolas que discutem, estudam o tema de forma sistemática, com abordagem adequada às crianças e adolescentes, algo que também costuma passar ao largo da formação docente, do planejamento escolar, que via de regra prefere terceirizar o tema para palestras pontuais com pessoas externas a escola. Violenta também é a falta do debate, do acesso aos saberes numa ótica menos estereotipada, menos banalizada das temáticas que não podem ser mais inviabilizadas no currículo escolar, mas que de alguma forma só aparecem por demanda pública, quando alguém se feriu muito. Neste rol estão as violências, a sexualidade, as questões ambientais, o uso e abuso de drogas, o racismo, as diversidades todas.
Não há justiça escolar onde o conhecimento é sonegado. Quantos mais poderiam ser co-autores por este entendimento? Sei que os profissionais da educação não precisam carregar mais nenhuma culpa, o assédio ambiental para esta categoria costuma ser bem intenso, mas é necessário que a categoria tome nas mãos o debate sobre currículo, sobre quais saberes formam o aluno crítico? Este, que tão bem descrevemos em nossos planos educativos, que transformações a escola precisa fazer para atender os meninos e meninas deste tempo histórico? Como efetivamente podemos não participar do estupro de meninas e meninos de 13 anos ou mais.
Florianópolis, 10 de novembro de 2010
*É pedagoga, mestre em educação pela UFSC e pesquisadora das violências na e da escola. Membro do GEPEFESC e NUVIC/UFSC
Obs.: Todos os textos disponibilizados nesse espaço são de responsabilidade de seus autores.
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