No dia 18 de outubro do ano corrente, a professora Diana Gonçalves Vidal, titular em História da Educação na Faculdade de Educação, da Universidade de São Paulo (FEUSP), concedeu entrevista a equipe editorial da Revista Educação e Pesquisa - Blog Humanas - Scielo em perspectiva.
A entrevista ocorreu após a publicação do artigo da Professora Diana G. Vidal , com o título “80 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova: questões para debate”, no terceiro fascículo de 2013 da Revista Educação e Pesquisa.
Segue a entrevista concedida pela autora.
1. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi feito em 1932. No entanto, continua sendo referido nos discursos da área de educação e nas políticas educacionais. Em que consiste esta atualidade?
Esta foi exatamente a pergunta que eu me fiz quando fui convidada a participar da mesa-redonda “A atualidade do manifesto de 1932 e o debate sobre a educação pública brasileira”, composta por Carlos Roberto Jamil Cury e moderada por Libânia Xavier na UFRJ, no ano passado. Como retomar um tema já tão debatido e trazer algo de novo? Ao mesmo tempo, quais das ideias defendidas pelos autoproclamados pioneiros da educação nova permaneceram no imaginário educacional e quais foram sendo descartadas com o passar das décadas? Este é o tema central que abordo no artigo e que – fazendo suspense – convido à leitura.
2. Como o Manifesto se insere em seus interesses de pesquisa?
Desde o doutorado, tenho me debruçado pelos contornos que a Escola Nova assumiu no Brasil. Diferentemente de outros países do mundo ocidental, em que percebemos manifestações do movimento da Escola Nova, sempre como uma experiência pontual e localizada em um instituto de pesquisa ou instituição escolar, no Brasil, ela tomou o caráter de reformas educacionais promovidas pela administração pública municipal ou estadual. Somente pela comparação internacional, em projetos bilaterais realizados com a Argentina, Portugal e França, pude compreender esta especificidade da Escola Nova brasileira. O Manifesto aparece nesta agenda de investigação como um dos documentos recorrentemente citados, seja por educadores brasileiros, seja pelos colegas estrangeiros, e compreendido, muitas vezes, como a própria expressão do escolanovismo no Brasil. Desmontar esta representação que, simultaneamente, reduz a multiplicidade da Escola Nova brasileira e consagra uma interpretação única ao movimento não deixa de ser um investimento bastante sedutor.
3. O Manifesto é, portanto, seu principal objeto de investigação?
Na verdade não. Tenho me interrogado, principalmente, sobre as práticas escolares constituídas no eixo Rio de Janeiro- São Paulo, entre 1870 e 1930. No doutorado, detive-me no estudo do cotidiano de uma escola modelo situada na cidade do Rio de Janeiro, o Instituto de Educação, pelo caráter de exemplaridade que ele protagonizou na difusão de preceitos pedagógicos associados à Escola Nova. Particularmente, analisei as práticas de leitura e escrita disseminadas na escola, tomando a biblioteca escolar como objeto. Nos anos que se seguiram, fui paulatinamente me envolvendo com as manifestações escolanovistas em São Paulo, especialmente com temas como cinema e rádio educativo. Comecei a me interrogar sobre o que era o novo nas práticas escolares dos anos 1920 e 1930 em relação às do final do século XIX. Em especial, tematizei as proximidades e diferenças entre o ensino intuitivo e as propostas pedagógicas veiculadas pelos renovadores da educação. Esse percurso de pesquisa me levou a meus interesses atuais, associados à cultura escolar e aos objetos que habitam o espaço da escola e que compõe o arsenal imprescindível às práticas escolares.
4. Como este diálogo estabelecido com o passado da escola brasileira nos ajuda a pensar os dias de hoje?
Ao investigar a cultura material escolar, acabei desenhando duas categorias que têm me auxiliado muito na compreensão do passado da escola, mas também de seu presente. São elas: escola como mercado e indústria escolar. O estabelecimento da obrigatoriedade escolar, na segunda metade do século XIX, e a disseminação do método simultâneo (um professor dando aula a um grupo de alunos que aprende em um mesmo ritmo e frequenta a mesma série escolar) transformaram a escola pública em um grande mercado consumidor de objetos. Bancos, carteiras, mesas, livros, quadros parietais, canetas, lápis e ardósias são apenas exemplos dos muitos materiais que a escola incorporou na sua cotidianidade, como requisito do ensino e da aprendizagem eficazes. Tendo um comprador de lastro como o Estado, a indústria se viu mobilizada a produzir objetos para o universo escolar. É claro que as orientações para a produção emanavam do Estado, mas a indústria escolar não se restringiu a fornecer o que lhe era solicitado, criando soluções novas e forçando uma demanda inesperada. Dessa forma, passou ela também a interferir na construção das práticas escolares. Hoje, convivemos com estas mesmas tensões. Se podemos dizer que a indústria procura responder às necessidades da expansão escolar, é inegável que incorporamos, na escola, muitos objetos que não respondem propriamente a preceitos pedagógicos, mas a uma demanda criada pelo crescimento industrial. Assim, da mesma maneira que, desde o século XIX, a organização do tempo escolar em séries assemelhou-se à estruturação do trabalho capitalista; a escola constituiu-se em um poderoso centro consumidor a atrair a atenção da produção industrial. Estas ponderações têm me ajudado a interpelar a escola e suas práticas na contemporaneidade para além da relação comumente estabelecida entre métodos pedagógicos e fazeres escolares.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Você pode deixar suas sugestões, dúvidas sobre a postagem.